Inspiração de viagem para ler no avião. (publicados na Revista INDICO da LAM, Moçambique).
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Tanzânia é segredo
As crianças avançam à minha frente, fazem gestos para que as siga. Passamos por entre os milheirais e atravessamos em tronco escorregadio os riachos. Não sei para onde vou, venho à procura de uma coisa mas nem sei se é aqui… na verdade porco importa, sigo-as.
Tanzânia é quente e húmida e até hoje me deixa na boca a doçura pegajosa de uma manga misturada com o sabor acre do suor.
Tanzânia é mistério e castigo, karibu (bem-vindo) aberto na boca das gentes, e trato duro nos gestos do dia contigo, comigo, com os estrangeiros.
Continuo a subir e a descer as terras vermelhas pelo caminho que as águas das chuvas fendem nas colinas. Não tenho pressa.
Vou para norte, venho do sul. O sul é clima equatorial, coqueirais, águas mornas e aldeias, aldeias pequenas… No sul da Tanzânia há uma aldeia, frente à baia de Índico uma colina, e na colina um antigo forte alemão transformado em hotel por uma ONG britânica. O contraste de mundos que se sente aqui é especial, é colorido como um mergulho nas águas com a maior diversidade marinha de África.
O tempo é meu. Aqui depois de anoitecer não há hora. Entre o amanhecer e o anoitecer vivemos. Nasce o sol e é hora, uma hora. A partir daí contamos, duas, três, quatro horas… quando o sol se põe acabou o dia. Não contamos mais. Está escuro e o brilho das estrelas faz-me olhar para cima, vejo os coqueiros que abanam ao vento, vejo o fumo das fogueiras que sobe como véu translúcido até desaparecer entre os cocos.
Tanzânia é suor a pingar da testa a salgar os olhos.
Desta aldeia, Mikindani, na província de Mtwara do outro lado da fronteira natural que é o rio Ruvuma, até à capital é viagem de distâncias. Do mato para a cidade. Dar es Salaam tem estória, tem cultura, tem política e prédios, tem mercados, tem água - às vezes - tem luz – quase sempre. Mas a viajar é no mato que nos perdemos. É na pele marcada das tribos, na cabeça decorada de missangas, no passo lento, molengão do gado, na corrida frenética dos macacos. É ai que me perco. No formato redondo das casas de lama e palha, feitas de chão. Nos pés descalços das crianças que sorriem sempre.
Viajo para norte. Sim, é fácil ver no mapa de um país qual é a zona mais desenvolvida, depende apenas dos vizinhos… na Tanzânia vizinho rico é queniano. Claro que para as gentes que habitam estas terras estas fronteiras são imaginárias, para o nómada não há terra ou nação, há gado e família, e mundo para percorrer ao sabor da chuva.
Tanzânia é terreno de lendas. Vivem na terra, ensopada pela superstição das águas que enchem os lagos.
E o norte é a capital da vida selvagem, todo o país é como uma grande reserva de vida animal, por vezes sem fronteiras entre elas.
Tanzânia tem o luxo dos lodges de cinco estrelas e a simplicidade do mato. A fama das planícies do Serengueti e os mistérios escondidos na costa e nas montanhas.
Para mim há duas reservas que enchem o olhar, Ngorungoro e Manyara.
Ngorungoru é cratera de vulcão extinto, no centro um lago e por ali, em reserva com limites naturais, convivem os animais e o Homem. Tribos Massai partilham impensável espaço com predadores e presas, defendendo à lança o seu gado.
Manyara é o lago, o mato denso, que engole os caminhos e nos revela os animais quando já estão a poucos metros de nós.
Agora sigo as crianças avançando para o interior, para as plantações de café nas montanhas frescas. E venho à procura… cascata Koporogwe, foi o nome que me disseram. Procuro. Já nem tento o meu engasgado swahili que é com o inglês a língua oficial do país, aqui as gentes são diferentes, não nos entendemos nas mesmas palavras.
- Koporogwe? – vou repetindo, movendo ridiculamente as mãos indicando as possíveis direcções, todos sorriem, mas ninguém responde, só as crianças reagem, correm, sigo-as.
Só por isso as sigo.
Encontramos a cascata, sim, caminhamos pelas terras até termos acesso a uma espécie de gruta por detrás da água que cai. Vejo as gotas que se desenham em suicida queda… as crianças cabriolam e mostram todo o espaço como se lhes pertencesse e fosse assim – secreto.
Tanzânia é segredo, não contes a ninguém.
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