sexta-feira, 8 de abril de 2011

Victoria Falls


Aqui as pessoas vêem o futuro.

Estou na cidade mais turística do país, a cidade que nasceu e cresceu graças ao interesse dos estrangeiros no precipitado rio, no fumo que troveja, no mosi oa tunya como lhe chama os locais. No que os britânicos baptizaram, homenageando seus próprios poderes, de Victoria Falls. Aqui os hotéis têm toalhas de linho nas mesas, piscinas de águas limpas, menus que servem paté de crocodilo e carne de impala. Aqui não me sinto no mato. Os cartazes publicitam desportos radicais sobre as cascatas, passeios montado em elefantes, visitas a quintas de crocodilos, viagens de helicóptero e caminhadas com leões. Com leões? Sim.
Neste cantinho do Zimbabwe podemos caminhar ao lado de leões, tocar-lhes o pêlo áspero, sentir-lhes o respirar lento, fixar o olhar que temos medo de enfrentar.
Aqui ONG protegem os que estão em vias de extinção. Aqui passeia-se em roupas kaki e botas anti-cobra, aqui fotografa-se a natureza selvagem. Aqui passeamos em barcos e assistimos no rio aos primeiros raios do sol, brinda-se com gin tónico o brilho do pôr-do-sol. Aqui fazem-se safaris de caça, persegue-se a vida, celebra-se assim a morte. Aqui compram-se os sapatos e as carteiras de pele de crocodilo, as que prometem que não ameaçam a espécie, as que criam crocodilos para deles fazerem os adornos de luxo. Aqui o tesouro natural, património mundial protegido pela UNESCO, pertence aos dois países – ou não fossem as fronteiras coisa inventada pelo homem, a natureza que quer saber de fronteiras? - e pode passar-se a fronteira do Zâmbia para o Zimbabwe, sem problemas.
Aqui, perto da cascata e alimentada por ela, existe uma floresta tropical, verde, luxuriante, cheia de plantas raras e habitada por macacos vervet, babuínos, cobras, pássaros… Perto dos hotéis os javalis selvagens rebolam na relva molhada. Na reserva do parque há rinocerontes, impalas, elefantes, crocodilos, leões…
Contam-me aqui que as árvores são os espíritos que protegem, sim sem árvores como se fazem as fogueiras onde as mulheres cozinham? Como descansariam os leopardos do calor do sol, que folhas comeriam as girafas? A árvore é um espírito, ou, nas árvores vivem muitos espíritos. As árvores guardam o mel, as víboras, os ninhos elaborados dos pássaros. O espírito fala e se escutarmos atentamente podemos ouvir. As raízes das árvores, as que sobem à superfície e fazem tropeçar os viajantes, falam das lições da vida e das liberdades da terra. As folhas verdes falam do nascimento e as flores, do amor. Os frutos são filhos do sol e quem os comer assim, colhidos directamente da árvore, recebe no corpo a energia solar, a que alimenta melhor o nosso corpo físico, a única que alimenta o nosso espírito. As vozes dos espíritos das árvores vivem assim, nos frutos; falam assim, nos tambores feitos de madeira; ensinam o caminho assim, nos barcos feitos do que as árvores dão ao Homem.
É Outubro e chove. O rio está grande, a queda de água está forte, a água salpica o ar e o vento molha os turistas, parece que nem sempre é assim. No ano passado na mesma altura corria apenas um fio de água, mas este ano Dzivaguru está contente, há chuva e sol. Os deuses estão contentes.
Na cidade de Victoria Falls os hotéis de luxo olham a ponte que liga Zimbabwe ao vizinho Zambia. As cascatas pertencem… são partilhadas pelos dois países. Porque na verdade o que parece é que o rio se precipita na Zambia e cai no território do Zimbabwe. A linha de caminho de ferro que ligava Cairo à cidade do Cabo atravessa a ponte. No hotel Victoria Falls um marco conta as distâncias: a 1647 milhas de Cabo, a 5165 do Cairo.
Aqui parece que estamos noutro tempo, nos tempos coloniais talvez, mas as pessoas não falam essa linguagem. O serviço é profissional, cuidado, exemplar, e entre o banquete de pequeno-almoço e o jantar no salão de lustre cristalino as pessoas falam das lendas das andorinhas douradas, as que cantam as músicas dos Bantu; dos mitos dos Shona; dos pássaros que visitam os continentes do frio na primavera das flores, os que voltam a África acompanhando sempre o sol. Aqui há pessoas que fazem chover; aqui provocam-se as tempestades; criam-se as sereias. Aqui as pessoas vêem o futuro.

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